Maria Helena Matos (1924-2015)

Maria Helena Matos (1924-2015) entre 1960 e 1974 marca o processo de afirmação, consolidação e divulgação do design em Portugal através do seu trabalho no Instituto Nacional de Investigação Industrial (INII), desenvolvendo e liderando o Núcleo de Arte e Arquitetura Industrial, a partir de 1971, Núcleo de Design Industrial.

Contrariando todos os estereótipos dos tempos da ditadura, afirma-se na história do design em Portugal pela força do seu caráter e pelas convicções profissionais que defende. Designer numa época de círculos eminentemente masculinos impõe-se pela sua capacidade de liderança em defesa da implementação dos métodos de design na indústria portuguesa.

Concluído o curso de pintura cerâmica da Escola de Artes Decorativas António Arroio, Maria Helena Matos vai trabalhar na Fábrica Viúva Lamego, por influência da sua professora Estrela Faria, com quem chega a trabalhar, e tira o curso de escultura da Escola Superior de Belas Artes.

Entre 1956 e 1958, Maria Helena Matos colabora com a Fábrica de Vidros Santos Gallo, na Marinha Grande, encontrando nesta arte do fogo a sua matéria de eleição. Em 1958, recebe uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, que lhe possibilita estudar o fabrico do vidro na FEIS – Fábrica-Escola Irmãos Stephens da Marinha Grande, empresa com a qual mantém ligação nas duas décadas seguintes, enquanto responsável pelo Núcleo de Arte e Arquitetura Industrial.

Das peças doadas ao MUDE consta a brochura publicada para a Exposição de Vidros M. Helena Matos (Palácio Foz, 1959), com o apoio do S.N.I. Encontram-se identificados os produtos expostos e as suas categorias – jarras, castiçais, candeeiros, cinzeiros, taças, caixas, frascos, pratos – bem como as peças de caráter escultórico. Foram ainda doadas fotografias da exposição, onde se percebe como as peças de vidro refletem a sua incessante busca pelas potencialidades específicas da matéria, associadas a uma desornamentação formal enriquecida por abstratas manchas de cor, numa constante experimentação, influenciada pelo vidro moderno europeu. 

No MUDE encontram-se ainda três copos do serviço de mesa Luna, uma jarra com duas camadas de vidro soprado e moldado em dupla camada e um frasco/base de candeeiro com duplo vidro soprado e aplicação a quente de grãos de vidro à superfície. Estes exemplos refletem as pesquisas de Maria Helena nos anos de 1960, na FEIS e a sua colaboração com os mestres artesãos e tecnólogos de vidro na procura de entender e estender as fronteiras visuais e técnicas do design de vidro.

A entrada em 1960 no INII permite-lhe usufruir de uma bolsa para contactar diretamente fábricas e museus de vidro europeus. Essas viagens decorrem através do Núcleo de Arte e Arquitetura Industrial, cuja primeira ação é a conceção de um setor de desenho industrial, destinado a desenvolver os métodos relacionados com o design de produto, estabelecendo um setor seminal de design industrial que acaba por conduzir à institucionalização da disciplina em Portugal.

Aos 38 anos, Maria Helena assume a responsabilidade do Núcleo e nessa qualidade planeia e leva a cabo a 1ª Quinzena de Estética Industrial (1965), com uma série de conferências de especialistas europeus sobre design industrial. Este evento é acompanhado por uma Exposição Internacional de Industrial Design que estabelece um marco na história do design em Portugal: pela primeira vez a terminologia inglesa é integrada no léxico do discurso oficial, cabendo a Maria Helena Matos com este gesto dar voz a uma geração que assegura para o design do nosso país a sua “carta de alforria”. Esta exposição, realizada no Palácio Foz, apresenta peças de design industrial de Inglaterra, França, Itália, Finlândia e algumas nacionais. Maria Helena coloca em diálogo peças portuguesas, da autoria de designers homens e mulheres, estabelecendo paralelos entre diferentes produtos, desde um guindaste elétrico a vidros da FEIS, passando por mobiliário metálico de Daciano da Costa (Metalúrgica da Longra) ou mobiliário em madeira de Cruz de Carvalho (Altamira), e por modernos serviços de chá e café de Miria Toivola para a Companhia de Porcelanas SPAL.

No ano de 1971, no contexto da chamada “Primavera” Marcelista, Maria Helena Matos lidera a organização da 1ª Exposição de Design Português, na sequência da proposta feita pelos designers Cruz de Carvalho e João Constantino. O apoio do Núcleo de Arte e Arquitetura Industrial dá uma nova dimensão ao projeto inicial, contando Maria Helena com a valiosa colaboração de Alda Rosa e Cristina Reis. É na sequência desta 1ª Exposição de Design Português que o Núcleo de Arte e Arquitetura Industrial passa a designar-se por Núcleo de Design Industrial, consagrando os esforços que Maria Helena trava desde 1965 em prol do design como disciplina de direito próprio

Em 1972, Maria Helena Matos regressa às experiências no design de cerâmica, concebendo em colaboração com José Barros Gomes, um serviço de mesa para a fábrica de Faianças e Porcelanas Sado Internacional, exposto na 2ª Exposição de Design Português, em 1973, conjuntamente com peças de vidro para a FEIS. No mesmo ano da 2ª exposição, concebe a Série Congresso – da qual o MUDE possui uma jarra – onde se observam as pesquisas que desenvolvia na FEIS em vidro soprado e moldado com aplicação de anéis de vidro de cor. Esta série destina-se a outro evento pensado por Maria Helena: o Congresso Internacional de Vidro Manual, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian com o apoio do Grémio da Indústria Vidreira, acompanhado por uma exposição internacional de vidro manual, cujo catálogo tem o design de Cristina Reis.

Com a coorganização deste duplo evento, Maria Helena Matos combate o acontecimento funesto de 1972: o incêndio que lavra no seu ateliê em Belém, destruindo os seus trabalhos, ferramentas e documentos, provocando uma paralisação de quase dez anos na sua atividade como escultora.   

A liderança desta mulher permite legar à profissão que abraça decisivos contributos que marcaram a nossa história do design. Todavia, no período conturbado da revolução de 1974 e do PREC, por força de mal-entendidos, a sua liderança é objeto de contestação tanto no Núcleo de Design Industrial como na Fábrica-Escola Irmãos Stephens. O INII virá a ser dissolvido, acabando por ser integrado na Direção-Geral da Qualidade, organismo criado em 1977 (dando lugar, em 1986, ao Instituto Português da Qualidade). Naquela Direção-Geral, Maria Helena procura colocar a experiência adquirida na sua dupla valência de técnica e designer, ao serviço da indústria e, para tanto, desdobra-se em reuniões com industriais e visitas a fábricas defendendo a implementação dos métodos do design para a eficácia industrial, mas sem obter a efetiva validação dos seus esforços. 

Desiludida com o estado das coisas, regressa à escultura no seu reconstruído atelier, concebendo entre 1980 e 2000 peças escultóricas experimentais no seu material de eleição, o vidro, em associação com outros materiais. É neste período em que, aposentada das suas funções públicas, Maria Helena começa lentamente a recolher o merecido reconhecimento. Para essa valorização, conta a justa exposição retrospetiva do seu trabalho, organizada em 2001 pelo Museu do Vidro da Marinha Grande, e as investigações e estudos académicos que têm vindo a aprofundar o conhecimento sobre os seus contributos e obra.

Maria Helena Souto, a convite do MUDE
Junho 2020